Descubra como aconselhar alguém vai mudar o seu rumo
Frequentemente, atrelamos a decisão de fornecer feedback a uma postura altruísta. Entretanto, ao decidir por aconselhar alguém estamos nos comprometendo a ajudar a nós mesmos. Nesse texto, te mostro porque isso acontece e como você pode maximizar o seu aprendizado e o do ouvinte.
“Gastar energia com os outros é para quem tem tempo de sobra”
Aposto que você já ouviu essa frase anteriormente. Fomos criados acreditando que devemos adotar uma postura defensiva, até certo ponto egoísta.
Contudo, dedicar seu tempo fornecendo feedbacks de alta qualidade traz benefícios inexoráveis. Segundo Bob Dignen, da Universidade de Oxford:
- Fornecer feedback significa exercitar a nossa capacidade de comunicação;
- Oferecer feedback e ouvir o que a pessoa tem a dizer significa fortalecer a nossa escuta;
- Quando oferecemos conselhos, estamos exercitando nossa capacidade crítica;
- Além disso, é uma oportunidade de mobilizar times e alavancar resultados.
O que não deve fazer de jeito algum se você quer ser ouvido
1. Fuja de receitas de bolo… ou de sanduíche
Se você já trabalhou com Recursos Humanos ou participou de empresa júnior ou atividade afim, você certamente já se deparou com um líder orgulhoso por ter aprendido o famigerado Método Sanduíche. Pior, você já deve ter recebido um feedback nesse molde ou até ter sido ensinado a segui-lo.
Fulano: “Oi, Beltrano. Tudo bem?”
Beltrano: “Tudo, Fulano! E você?”
Fulano: “Vou bem também. Cara, queria te parabenizar pelos seus avanços recentes. É nítido o seu crescimento, fico muito feliz em contar contigo na equipe.”
Beltrano: “Que ótimo! Tenho aprendido muito. [Nesse instante, a pessoa já sabe que ganhou o Oscar ou vai levar esporro. Provavelmente, a segunda opção é a certa.]
Fulano: “De verdade, fiquei impressionado com o seu desempenho no projeto. Você demonstrou personalidade e muita capacidade de de execução. Aliás, gostaria de falar algo sobre a sua personalidade, me permite?”
Beltrano: “Claro, sinta-se à vontade. [Se o indivíduo tinha dúvida, agora ele tem certeza que deu ruim.]”
Fulano: “Alguns colaboradores reportaram que você foi um pouco prepotente durante o projeto e não deu margem para segundas opiniões. Inclusive, acreditam que as baixas notas dadas pelo cliente na pesquisa de satisfação estão atreladas a uma entrega de qualidade abaixo do esperado, o que poderia ter sido diferente se a equipe interagisse melhor. Por isso, queria saber se posso contar com uma nova postura sua no novo projeto.”
Beltrano: “Entendo. Vou trabalhar nisso.”
Fulano: “Fico feliz em ouvir isso. Você se mostrou um líder nato. [Pera aí, o Fulano não disse que o Beltrano estragou tudo faz 30 segundos?] Sua presença nos projetos vai levar a nossa empresa a um patamar superior, já que você é muito competente.”
Beltrano: “Obrigado.”
Fulano: “Bem, era isso. A gente mantém contato.”
Beltrano: “Claro, mantemos sim.”
Conforme você deve ter percebido, o método constitui em iniciar elogiando, dar o feedback negativo e terminar elogiando novamente. A ideia é que a primeira e a última impressões são as que ficam. Entretanto, a estrutura, por ser definida previamente, traz artificialidade à conversa. Muitas vezes, os elogios são contraditórios, sendo incoerentes com as críticas tecidas.
Isso não vale apenas para o Método Sanduíche, mas para quaisquer estruturas definidas anteriormente e seguidas como um autêntico roteiro. O que você precisa é de bom senso. Conforme a gestora e líder Lou Solomon revela em artigo para a Harvard Business Review, para dar um feedback difícil, você precisa ser:
- Direto: É muito fácil perceber quando a pessoa está evitando abordar algo. Isso gera também a sensação de que a crítica não tem fundamento. Por isso, é fundamental ser direto, sem deixar de ser gentil;
- Concreto: Exemplifique quando for tecer críticas. Isso ajuda a pessoa a se colocar na perspectiva de outros (do cliente, de outros colaboradores e outros stakeholders);
- Aberto: Lembre-se que dar feedback envolve escutar a outra parte, esteja aberto para explicações, objeções e até berros. É importante manter a serenidade e não levar os comentários para o lado pessoal;
- Profissional: O momento do feedback não é para descontar quaisquer frustrações ou aborrecimentos em quem o escuta. Aposto que uma caminhada, uma sessão de spa ou uma resenha com os amigos vai produzir um efeito melhor.
Fuja do Método Sanduíche; Fonte: https://www.today.com/food/12-spooky-halloween-sandwiches-you-can-assemble-1D802521722.
2. Não fique ansioso em mostrar o seu valor
Na Garagem GetUp damos suporte à disciplina de Projeto de Produto e Empreendedorismo, pois temos como objetivo desenvolver o ecossistema empreendedor da UFRJ formando líderes, agentes de transformação. Por acreditarmos no valor do feedback, avaliamos os alunos pela participação deles em aula.
Por vezes, na ânsia de mostrar serviço, eles recaem no erro de fazer comentários vagos. Por exemplo, quando a pauta é modelo de negócios, encontramos com frequência comentários como:
“Vocês tem certeza que vão conseguir entregar isso como solução? Não me parece provável…”
“Acho que seria uma boa entrevistar não-consumidores também.”
“Não gostei do plano de entrevistas de vocês para verificar se o problema a ser resolvido é latente ou não na visão do consumidor. Eu não me sentiria confortável em responder essas perguntas.”
“Creio que o caso da Airbnb seja parecido com vocês.”
Não é difícil perceber que esses comentários fazem parte daquilo que reconhecemos como “criticar por criticar”. Outra possibilidade, pior ainda, é que a pessoa tenha sido concisa, mas não tenha explicado o seu ponto de vista. Por isso, o feedback, assim como vimos na seção anterior, deve ser concreto, enriquecido a partir de exemplos e casos. Além disso, é fundamental que os comentários sejam embasados, bem desenvolvidos e pautados em conteúdo confiável.
Se você achou que as dicas acima foram abstratas, preste atenção nos exemplos acima reescritos:
“Vocês tem certeza que vão conseguir entregar isso como solução? No Zero to One, Peter Thiel alerta para o caso da bolha verde no início do século XXI. Empresas de tecnologia limpa prometeram mundos e fundos, mas não conseguiram apresentar resultados concretos, resultando em uma bolha especulativa.”
“Acho que seria uma boa entrevistar não-consumidores também. Afinal de contas, os atuais players do mercado de educação estão focados em jovens e trabalhadores de até 40 anos. Ninguém pensou em uma opção atrativa para pessoas com idade mais avançada.”
“Não gostei do plano de entrevistas de vocês para verificar se o problema a ser resolvido é latente ou não na visão do consumidor. Eu não me sentiria confortável em responder essas perguntas. No livro Talking to Humans, o autor diz que a sua visão de solução não deve ser imposta ao consumidor. Isso ficou claro para mim quando você elaborou a seguinte pergunta: “Acreditamos que restaurantes para a classe AAA sofrem com a lugares ociosos e, por isso, é preciso gerar descontos automáticos compatíveis com a lotação do estabelecimento. Você concorda?” Eu substituiria por: “Acredita que a ociosidade é um problema para o seu estabelecimento? Se sim, pode me dizer o impacto disso na sustentabilidade do seu negócio?””
“Creio que o caso da Airbnb seja parecido com vocês. A empresa viu que poderia aumentar a atratividade dos quartos que oferecia se disponibilizasse fotógrafos para tirar fotos de alta qualidade do local. Por isso, eles contrataram profissionais para tirar fotos de alguns dos quartos oferecidos e analisaram a taxa de reserva dos lugares. Mais detalhes sobre o caso podem ser encontrados no livro Lean Analytics.”
3. Não deixe a prepotência tomar conta de você
Você não precisa se comportar como pavão para se destacar; Fonte: lifeofpix.com
Além da abstração, outro problema que verificamos especialmente com empreendedores ou profissionais com bagagem em determinado assunto é a prepotência. Sempre que for fornecer feedback, lembre-se de que é um exercício de humildade e, acima de tudo, uma troca mútua, de impressões e de aprendizados.
Nesse contexto, a dica que dou é sempre perguntar para entender o ponto de vista da outra parte. Conforme vimos, é preciso estar aberto para fornecer feedbacks valiosos. Sem mais delongas, apresento aqueles mesmos exemplos reescritos.
“Vocês tem certeza que vão conseguir entregar isso como solução? No Zero to One, Peter Thiel alerta para o caso da bolha verde no início do século XXI. Empresas de tecnologia limpa prometeram mundos e fundos, mas não conseguiram apresentar resultados concretos, resultando em uma bolha especulativa. Como vocês pretendem oferecer desempenho significativamente superior ao cliente? Acreditam que a sua solução é disruptiva? Chegaram a realizar testes de desempenho com algum protótipo?”
“Vejo uma oportunidade de melhoria do plano de entrevista de vocês. Já que o objetivo é verificar se o problema do consumidor é uma dor de cabeça para ele, deixe-o à vontade, não imponha a sua visão de solução conforme recomenda o livro Talking to Humans. Isso ficou claro para mim quando você elaborou a seguinte pergunta: “Acreditamos que restaurantes para a classe AAA sofrem com a lugares ociosos e, por isso, é preciso gerar descontos automáticos compatíveis com a lotação do estabelecimento. Você concorda?”Se sim, pode me dizer o impacto disso na sustentabilidade do seu negócio? Concorda que o cliente vai se sentir mais à vontade e não vai se sentir impelido a responder o que você quer ouvir?”
“Acho que seria uma boa entrevistar não-consumidores também. Afinal de contas, os atuais players do mercado de educação estão focados em jovens e trabalhadores de até 40 anos. Ninguém pensou em uma opção atrativa para pessoas com idade mais avançada. Vocês acham que isso seria viável? Chegaram a tentar? Preferem investir em uma solução superior para um segmento já atendido, mas que pode emxergar muito mais valor na proposta de vocês?”
“Creio que o caso da Airbnb seja parecido com vocês. A empresa viu que poderia aumentar a atratividade dos quartos que oferecia se disponibilizasse fotógrafos para tirar fotos de alta qualidade do local. Por isso, eles contrataram alguns profissionais para tirar fotos de alguns dos quartos oferecidos e analisaram a taxa de reserva dos lugares. Acham que isso seria viável? Que barreiras vocês esperam encontrar? Mais detalhes sobre o caso podem ser encontrados no livro Lean Analytics.”
Resumão e dicas finais
- Use a lógica e não, receitas de bolos. Seja sempre aberto, direto, concreto e profissional.
- Não critique por criticar. Dê feedbacks que você gostaria de receber se estivesse passando pela situação da pessoa.
- Exercite a humildade. Esteja aberto para aprender. Nem sempre o seu feedback foi útil, nem sempre você está certo.
- Esqueça a máxima de “elogie em público e critique pessoalmente”. Seja gentil, mas tenha em mente que problemas do time devem ser abordados coletivamente se conveniente.
- Agende pequenas sessões de feedback com a sua equipe. Você não precisa de mais do que 10 minutos por pessoa.
- Se for verdade, exponha casos em que você atravessou a mesma dificuldade e conte como você procedeu. Cuidado para não parecer arrogante.
- Acompanhe os resultados. Não adianta fornecer feedback e depois sumir do planeta Terra. Por isso, acompanhe o progresso de quem recebeu os seus conselhos.
Bom, chegamos ao fim do texto e espero que você tenha notado que fornecer feedback é um exercício contínuo. Quanto mais constante sua prática e melhor o seu suporte, mais insights você tira para si mesmo e mais aprende com o próximo. É também uma oportunidade de ouro de se aproximar da sua equipe, de reforçar laços e de exercer sua liderança de forma benéfica.
Ademais, convido você, caro leitor, a conhecer o blog da Garagem GetUp e a curtir a nossa página no Facebook, pois novos posts estão saindo do forno. Forte abraço!

Eduardo Gouveia Menezes
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